Criada em comunidade carente do Rio de Janeiro, judoca campeã mundial júnior supera dificuldades e transforma vida da família através do esporte
"Muitos amigos da minha infância já morreram ou estão envolvidos com drogas”, conta Rafaela Silva. Hoje, ela comemora ter escapado da estatística. Briguenta, a judoca de 18 anos criada na Cidade de Deus, uma das comunidades cariocas pacificadas, encontrou no tatame uma forma de usar a agressividade a seu favor e afastar o risco de um possível futuro no crime.
A cara de mau, antes usada para colocar medo nos amiguinhos da escola e da rua, hoje é apenas uma de suas armas nos combates. Cansados de receber tantas reclamações pelo jeito arredio e desobediente da filha, os pais de Rafaela resolveram tentar a sorte colocando a menina de 8 anos para praticar judô em um projeto social perto de casa.
– Eu brigava bastante na rua, na escola e dentro de casa com a minha irmã. Meu pai ficava nos separando e pedindo para a gente parar de brigar. A gente sempre gostou de ficar muito na rua, mas ele dizia que lá a gente não iria aprender coisas boas, que nós tínhamos que procurar um esporte ou fazer um curso – explicou Rafaela, que acabou incentivando a irmã, Raquel, a entrar para o judô também.
Para quem sempre gostou de brigar, treinar judô parecia a distração ideal. A agressividade da carioca, no entanto, precisou ser moldada ao longo dos anos pelo professor Geraldo Bernardes, ex-técnico da seleção brasileira e seu treinador até hoje.
– O comportamento dela estava difícil de ser domado pelos pais. Eu logo vi que a Rafaela tinha uma agressividade muito grande. Então, nos canalizamos isso para o judô, mas de forma controlada. Percebi que ela tinha potencial e disse que um dia iria colocá-la na seleção – disse o treinador, ressaltando que sua pupila hoje é uma menina centrada, bem diferente de como a conheceu.
O caminho até a seleção, no entanto, não foi fácil. Filha de um entregador de pizza e de uma dona de casa, Rafaela e sua irmã Raquel tinham dificuldades até mesmo para se alimentar. O projeto social de Bernardes, hoje um dos polos do Instituto Reação - idealizado por Flávio Canto, bronze nos Jogos Olímpicos de Atenas-2004 -, também deu assistência à família com doações de cestas básicas e remédios.
As condições da família de Rafaela melhoraram conforme a judoca foi se destacando nos tatames. Aos 16 anos, em 2008, conquistou a medalha de ouro na categoria peso leve (até 57kg) do Mundial Júnior, em Bancoc. Um ano depois, já brilhava no sênior, garantindo o bronze no Mundial de Roterdã. No mês passado, alcançou mais um resultado expressivo ao ficar em primeiro lugar no Grand Prix de Dusseldorf, deixando pelo caminho a campeã mundial Giulia Quintavalle e a líder do ranking Kaori Matsumoto.
– Graças a Deus, com os patrocínios que consegui, ajudo minha família. Ajudei a comprar a nossa casa, fiz obra para aumentá-la no ano passado e pago as contas – contou orgulhosa a judoca, que não mora mais na Cidade de Deus, comunidade pacificada há dois anos.
O técnico não esconde a satisfação com as conquistas da carioca no judô, mas é da transformação social que ele mais se orgulha.
– Uma das minhas maiores satisfações é ver essa transformação. É fazer com que a Rafaela, que não tinha nenhuma esperança, passasse a ter um propósito na vida. Nós ajudamos a realizar os sonhos das crianças através do judô.
http://globoesporte.globo.com/lutas/noticia/2011/03/brigona-na-infancia-rafaela-silva-leva-agressividade-das-ruas-para-o-tatame.html